21 de dezembro de 2011

Um bom dia pra se morrer



Hoje teria sido um bom dia pra se morrer. Um dia excelente, aliás. Não, não aconteceu nada de horrível comigo, não estou deprimida, nem com vontade que o mundo acabe em suave barranco para eu morrer deliciosamente recostada.

Apenas me dei conta disso há poucos minutos atrás, quando o porteiro veio me resgatar do elevador que parou entre o 9º e 10º andar do prédio onde moro. Situação bem corriqueira essa, de ficar encurralado numa caixa que transporta a gente entre camadas empilhadas de concreto. Acontece todos os dias, até nos melhores edifícios de família. Mas comigo foi a primeira vez. E, veja, sou filha de um engenheiro de segurança que já trabalhou numa fábrica de elevadores. Semana passada uma amiga me contou de alguém da empresa dela que morreu partido ao meio por uma porta de elevador. Logo, minha relação com elevadores não é lá muito neutra.

Enfim, enquanto eu olhava pra porta aberta do elevador com linda vista para uma parede de concreto sem revestimento, a primeira coisa que pensei foi em pedir a Deus pra que, se fosse aquela a hora mesmo de ir, fosse então com direito a anestesia, mínimo de dor possível, por favor. Dá pra rolar uma máscara de gás hilariante antes? Agradecida. Segundo, meus pais: ufa, falei com eles hoje, mas não vou mandar sms agora não, vai que estão dormindo, vão ficar preocupados. E terceiro: o dia foi tão bom, consegui ajeitar coisas que precisava no meu trabalho e acabei de chegar de um jantar com amigas muito queridas.

Tá, e agora?

Então o porteiro me "telefonou" pelos buraquinhos de som daquela caixa suspensa, "o que? você está presa, é? péra que eu vou aí". Ah, pode deixar, espero aqui sim senhor, combinado.

Subi os andares que me restavam pela escada (apesar da insistência do porteiro em me dar carona pelo elevador de serviço). Subi pensando: é isso, de volta à vida. Até segunda ordem.

*foto da série Before we begin, do fotógrafo Christopher Jonassen

18 de novembro de 2011

Mais do mesmo



Todo dia percorremos a mesma distância, espiralando como a bailarina na caixinha de música, o mesmo movimento espalhado sobre a mesma medida de tempo, a mesma trajetória, as mesmas revoluções, nessa sempre mesma coreografia.

Todo dia nascemos com o sol e morremos com ele -- ou horas depois dele, mas esse é mais ou menos o ritmo. Morremos por alguns momentos no breu da noite ou na penumbra da madrugada para voltarmos à verticalidade sob os raios solares.

Todo dia o céu é manchado de cores. Todo dia. Todo dia é mais do mesmo. E as cores dos pores-do-sol, de todos os pores do sempre mesmo sol, de todos os dias, me mostram que o mesmo é, na verdade, sempre mais.



*fim de tarde que capturei na saída do trabalho, dia 17/11/11, pensando na amiga Gabi que tem essa incrível coleção de coisas impalpáveis e sempre inéditas que são os pores-do-sol.

6 de novembro de 2011

Cartas na rua



Se destravarmos nosso navegador do automático, é fácil perceber como a cidade fala. E como fala! E tem dias que ela grita tanto que é melhor voltar pro modo anestésico: fones nos ouvidos, celular com pacote de dados na mão, olhos ausentes, outras leituras de papel.

Hoje, domingo, quem passeou pela Av. Paulista ali perto do Parque Mário Covas, teve chance de escutar uma voz não muito comum. Um homem/pensador/poeta/escritor espalhou dezenas de cartazes pelo chão com seus textos, escritos em letras de fôrma com um canetão azul. Era o seu tuíter de avenida, seu mural de Facebook deitado ali no chão, um blog a céu aberto, cartas na rua.

Seu nome, Samuel Salles. Muito simpático e falante, me deixou tirar fotos de alguns dos textos "tirar foto? dos textos? mas vai dar pra ler quando você revelar? ah, então pode!".

Pronto, seu Samuel. Aqui estão as revelações. A fotógrafa não era muito boa, mas o que importa é que "deu pra ler". Ainda bem.











12 de outubro de 2011

Seu Manoel, aquele que é procurado pelas palavras

Nesses dias em que o pensamento só me vem em curtas frases - algumas que são apenas cuspidas no twitter, com pouca elaboração, coitadas - encontro esse pequeno tesouro em forma de tempo, som e imagem.

Um senhor que parece muito simples, falando sobre como ele cria poesia, pra que serve poesia, como ele encontra as palavras. Muito simples ele fala, muito simples é seu sorriso. Tão simples que não enxerguei onde acaba o fundo, e mergulhei nesses minutos infinitos de admiração.

Seu Manoel. Aquele, de Barros.



"Invenção é uma coisa que serve pra aumentar o mundo"

*descobri o documentário no blog Subterfúgios [arte, cultura et al].

6 de setembro de 2011

Fase oral



alface tomate pao sirio queijo mofo azul bolo de chocolate jabuticabas sorvete doce de leite nozes chocolate amargo. isso foi tudo que consegui deglutir num, que deveria ser, pequeno lanche.

pequenos pedaços, mas diversos sabores, diferentes texturas, desiguais temperaturas.

a fome física, é claro, agora já passou. mas continuo com apetite. só pode ser por experimentar o mundo.

*ilustração do projeto They Draw and Cook.

27 de junho de 2011

A vida vai acabar



A vida vai acabar. Um dia ela acaba e pronto. Tempo esgotado, tanque seco, motor pifado, última gota derramada, corda estourada, capa fechada, parada final.

A vida vai acabar e ainda vou deixar um monte de coisas suspensas no ar. Mas só no meu ar, aquele que circulava no meu imaginário. Naquele ar, que preenchia a biblioteca onde eu guardava tudo o que queria ler um dia, reler um dia, assistir um dia, escutar um dia, cozinhar um dia, perambular um dia, escrever um dia, projetar um dia, beijar um dia, afagar um dia, ninar um dia, acolher um dia, provar um dia, fotografar um dia, desenhar um dia, amar um dia, confessar um dia, dançar um dia, despedir-me um dia, reencontrar um dia.

A vida vai acabar. Desculpe ser tão repetitiva. Mas lembrar às vezes me ajuda a trazer aquele "um dia" para este dia.

*foto antiga de arquivo, escavada no blog de Kris Atomic.

22 de junho de 2011

Love is a two way street

Para não passar o feriado em branco, um encanto de performance: Kimbra, a cantora/compositora neozelandesa que anda ecoando nos meus fones.

15 de junho de 2011

Look up to



Depois de passar o dia inteiro com a palavra "admirar" na cabeça - simplesmente acordei com ela - agora no fim da noite vim procurar nos decifradores de palavras virtuais o que, afinal, há de tão... admirável em "admirar".

Derivada do latim "admirari". "Espanto misturado de prazer". "Causar admiração, ser admirável". Não acrescentou muito.

Joguei no Thinkmap, aí veio algo interessante. No inglês, "to admire" tem correspondência com "look up to". Admirar algo seria, então, erguer os olhos para contemplar? Mirar em algo mais elevado do que eu? Procurar por algo que não se encontra em mim?

Toda vez que eu disser que admiro seu trabalho, o jeito que você escreve, sua postura, sua transparência, seu esforço de pesquisa, sua facilidade lógica, seu dom musical, sua perseverança, sua sensibilidade, sua disposição, é porque são coisas muito boas, e provavelmente melhores do que as coisas que consigo ser ou fazer.

"Look up to", não só para os gigantes da humanidade, os pensadores expoentes, ou profisionais da capa da VOCÊ S/A. Fácil admirar quem se encontra a uma distância segura, seja separado pelos anos ou pelos holofotes. Mas continuar "looking up to" para as pessoas que caminham lado a lado comigo, mas que dia após dia, demonstram qualidades dignas de se querer ter. Sem entronar ninguém, mas sem deixar de sublinhar o que merece ser destacado.

Cercar a vida de quem admiro. E deixá-los saber. Sempre "look up to" pra quem pode deixar a vida ainda mais bonita.

*ilustração de Albert Einstein por Judy Kaufmann.

5 de junho de 2011

Abrigando histórias



Uma das habilidades que muito me encanta numa pessoa é saber contar histórias. Ter a sensibilidade de recortar os acontecimentos da vida para colá-los no álbum da memória para, depois, contá-los. E ter o gosto de colecionar esses recortes, mesmo que pertençam a outras pessoas: você ouve as histórias, cria a sua cópia e armazena na suas gavetinhas.

Deve ser por isso que vô e vó são coisas tão boas. Porque rodaram mais tempo que nós por esses caminhos e coletaram mais contos e causos do que a gente.

Será que os jovens adultos e as próximas gerações continuarão a ser bons colecionadores de histórias? Ou será que com a facilidade de gravar, filmar, fotografar, postar, deixaremos o hábito das histórias orais de lado? Ou contaremos histórias por meio de multilinguagens? Quantos amigos que você conhece que já sabem contar boas histórias? Quais boas histórias você guardou no seu bolso ultimamente? Qual história mais te fez arregalar os olhos?

Eu tenho algumas. E, confesso, acho que as histórias mais bacanas que guardei não são as que se desenrolaram na minha vida, e sim as que absorvi da vida de outros. E não me incomoda, o barato das histórias não é ser "dono" delas, e sim saber dar forma a elas. Por isso digo, mais uma vez, que me encantam os que sabem contar um conto. Especialmente os que sabem temperar, aumentando um ponto.

*ilustração de Diego Mir.

30 de maio de 2011

Não posso parar!



"tive um dia terrivelmente ocupado convertendo oxigênio em dióxido de carbono"

*daqui.

17 de maio de 2011

Quantos toques?



Hoje de manhã, ao tentar passar pela catraca do ônibus, percebi que se esgotara os créditos do meu bilhete único e tive de pagar em moeda. Mas, olha lá! O cobrador dormia um sono tão gostoso. E aí? Aquela situação: eu sussurro? eu chamo? grito? bato na bandeja? cutuco? E se ele se assusta? Enfim, após chamá-lo sem sucesso "seu cobradoooor...", resolvi apelar para o toque.

Com medo de interferir de forma brusca no seu sono, simplesmente segurei no seu braço, com todos os dedos e toda a palma da minha mão, sem apertar muito, mas com uma pressão suficiente para que ele notasse. Funcionou. Ele acordou de leve, e em seguida sorriu, um sorriso bem largo - que representado em emoticons seria um :D

Fora os esbarrões, as cotoveladas, bundadas, reladas de dedos na hora de pagar alguma coisa, encostos acidentais, é muito raro tocarmos, deliberadamente, em pessoas estranhas. Mesmo no transporte público, quando alguém dorme no seu lado e afrouxa a abertura das pernas até o joelho tocar no nosso, o instinto é nos recolhermos e nos afastarmos. Qual é a marca que delimita a atitude de autoproteção natural e uma vida-bolha? Será que dá pra diminuir o volume da fobia e tentar conferir um pouco mais de gentileza nas nossas relações? E como o outro, que também está acostumado à vida-bolha da metrópole, vai reagir?

Coisas que fiquei pensando. Não tenho respostas ainda. Só acho que o cobrador deve ter sorrido porque já está de saco cheio de ser cutucado.

*foto do projeto Touching Strangers do fotógrafo estadunidense Richard Renaldi - as pessoas na foto não se conhecem, mas se tocaram para as lentes do fotógrafo.

28 de abril de 2011

Yes, we do gambiarra.



Um improviso, um jeitinho, uma artimanha, um se-vira-como-dá, uma fita crepe, um copy-incrementa-e-paste, um papelote dobrado pra desbambear a mesa, um bombril na antena, uma extensão no fio, uma grampeada na barra da calça, uma solução imediata, uma desculpa esfarrapada, um acompanhante de ocasião. Um texto composto por uma lista de substantivos. Gambis.

*instalação do artista Myeongbeom Kim.