24 de julho de 2003

Enquanto isso, no divã do dr. Probs...
pauta: o design em discussão



- Ai, doutor Probs, tenho pensado numas coisas... Tenho me defrontado com muitos pontos de interrogação. Parece que nada é muito nítido quando tento projetar uma imagem do meu futuro. Acho que também tenho passado por uma crise de identidade!
- Isso pode ser considerado normal na sua idade. Você está prestes a passar por mudanças em sua vida, em breve você deixará a faculdade e se lançará ao mundo, suas bases serão transtornadas... Enfim, você está se adiantando a uma futura mudança de ares, companhias e, provavelmente, paradigmas. Normal que nada pareça muito sólido, o futuro nunca é sólido. Aquele que consegue vislumbrar um futuro nítido e sólido ou é louco ou é um grande prepotente.
- Bem, quando o senhor fala assim, parece um panorama menos desolador. Mas o que pega é o futuro profissional, a questão da identidade profissional. Não que eu ande roendo as unhas de ansiedade. Sofrer pelo futuro eu sei que não ajuda muito, mas o que tenho questionado é se meus anos de faculdade irão realmente fazer parte daquilo que irei trabalhar, ou, mais complexo que isso: se essa faculdade é realmente aquilo que seria bom pra mim e para os outros.
- Você pensa, então, em não ser uma designer?
- É... Não sei, fico desanimada em ver e participar dessa sociedade consumista. As pessoas compram um abajour como se fossem ficar mais felizes por causa da posse daquele objeto. Mas não ficam, aí entram no incessante círculo vicioso capitalista. Acho que pouca gente consegue perceber que a felicidade não depende das porcarias que nos rodeiam, objetos não podem fazer história nem trazer afeto. Então, produzir mais desses objetos e contribuir para o entulhamento do mundo seria participar de uma grande mentira. Nada muito diferente no design gráfico. Por exemplo, os livros hoje ficam mais bonitos a cada dia, mas o conteúdo, lamentavelmente, não tem acompanhado essa escala. As revistas são lidas hoje e amanhã jogadas fora. Natural que seja assim, mas muito pouco do que é produzido graficamente hoje traz informações realmente qualitativas. O meu medo é ser absorvida por esse mercado e não contribuir em nada para mudanças positivas para a vida das pessoas.
- Tendo em vista tudo isso que você acabou de falar, sobre fazer diferença na qualidade de vida das pessoas, que é o que você está propondo, o que você acharia válido fazer? A qual profissão valeria a pena se dedicar?
- Muitas outras: corpo de bombeiros, ambientalismo, medicina, veterinária, polícia rodoviária, sei lá...
- (risos)Quase nada drástica sua mudança de opinião, não é? Do design à escada de incêndio...
- Também poderia projetar equipamentos e sinalizações de segurança! (risos) É que parece que são tantos caminhos que podemos escolher, e ao mesmo tempo nos sentimos direcionados e confinados em tão poucas escolhas possíveis... Como é que o possível e o determinismo podem andar tão juntos?
- Bem-vinda ao centro das indagações ontológicas humanas! Condicionamento sociocultural, hereditariedade, genótipo, sistema de crenças... quem poderia saber a fundo os delimitantes das nossas escolhas?
- Doutor Probs, se o saldo de indagações do paciente aumenta ao final da consulta, deveríamos ficar isentos da cobrança!
- E o meu trabalho de ouvi-la? Nada disso. Está esquecendo seu guarda-chuva.
- Ah, obrigada. Mas vamos admitir: é um design bem funcional desse objeto não é? Quem sabe eu possa pensar numa versão de guarda-chuvas de bolso, assim não sairíamos esquecendo-os por aí.
- Talvez sua profissão de designer não esteja só confinada às porcarias.
- Raro, mas acontece.
- Se acontece é possível. Tchau!

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