31 de julho de 2004

Último episódio da série: Leituras de greve

Quem saberá quando será minha próxima greve? Só se eu virar funcionária do INSS (improvável), cursar outra faculdade pública (uma possibilidade) ou sei lá, virar coletora de lixo. Então leitores, saboreiem o último drops de "Leituras de greve" dos próximos anos. Outras leituras com certeza surgirão, mas de greve... quem saberá?

O Erro de Descartes - António Damásio
Companhia das Letras

O autor, o médico neurologista português António Damásio, discorre sobre o dualismo cartesiano corpo × mente, razão × sentimento, e como os estudos da neurociência vêm derrubando essas hipóteses tradicionais e confrontando-as com novas teorias a respeito do funcionamento integrado do cérebro na produção da razão e das emoções humanas.

Num dos capítulos, ele narra o caso de Phineas Gage, um jovem capataz de obra que teve o crânio transpassado por uma barra de ferro de cêrca de 1 metro de comprimento e 3 centímetros de diâmetro e não só sobreviveu como não sofreu lesões das capacidades motoras, linguística, perceptivas e, aparentemente, inteligentes. O "estranho" foi que Gage teve sua personalidade completamente alterada após o acidente. O rapaz, anteriormente de hábitos moderados, equilibrado, de considerável energia e caráter, um homem de negócios astuto e inteligente, tornou-se um "degenerado": indisciplinado, impulsivo, de linguagem obscena.

Relacionando a radical mudança de Gage, Damásio diz que "involuntariamente, o exemplo de Gage indicou que algo no cérebro estava envolvido especialmente em propriedades humanas únicas e que entre elas se encontra a capacidade de antecipar o futuro e de elaborar planos de acordo com essa antecipação no contexto de um ambiente social complexo; o sentido de responsabilidade perante si próprio e perante os outros; a capacidade de orquestrar deliberadamente sua própria sobrevivência sob o comando do livre-arbítrio".

Faz pensar que o que conhecemos como nosso "eu" é muito mais frágil do que imaginamos. Um escorregão num tapete, um acidente, uma pancada na cabeça e podemos não ser mais os mesmos. E o mais triste (ou talvez não): sem termos consciência da mudança.

Somos a loja de cristais, e o mundo à nossa volta é o elefante.

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