19 de fevereiro de 2006

De quando o mundo era um volume encadernado



Houve épocas em que as informações eram dados escassos, contabilizáveis, facilmente possíveis de serem reunidos e catalogados sem perderem, por muito tempo, sua validade e frescor. Ninguém era assombrado por uma enxurrada de novidades a cada manhã ao abrir sua caixa de correspondência. A vida pré-moderna devia ser razoavelmente previsível.

Imagine o seguinte relato sobre um sujeito que decorou as páginas de um guia de itinerários europeu: "...era capaz de dizer extamente as horas de partida e de chegada do Paris-Berlim, as combinações de horários que era necessário fazer para ir de Lyon à Varsóvia, a quilometragem exata entre quaisquer capitais à sua escolha".*

É o que penso ser o tipo de informação encadernada, da qual hoje raramente é possível fazer um uso seguro. As informações de nossa era transmudam-se a cada segundo, andamos por sob uma trilha cintilante, nada parece mais se fixar num lugar. Pareceria uma maluquice que alguma editora resolvesse publicar um "Guia de Ouro" dos horários dos vôos internacionais ou da programação televisiva. O roteiro que estava programado semana passada talvez já não possua os mesmos horários para esta semana.

Assim, como formigas vivas, fica impossível meter as coisas entre duas capas e querer que fiquem imutáveis lá dentro. O livro de hoje está virando, cada dia mais, uma obra aberta.

* trecho do romance "A Peste" de Albert Camus.

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