13 de maio de 2003

As dez mais do cérebro

Imagine se tivéssemos acesso às nossas músicas prediletas, em qualquer lugar, em qualquer momento, sem que para isso fosse preciso carregar um walkman, e muito menos, gastar baterias? Tudo isso com a facilidade de um pensamento: "ah... agora eu quero ouvir The Wings!".

Pode até ser que um dia a tecnociência personalista invente um chip "musical" intra-cranial, sei lá. Aí, adeus silêncio mental, porque provavelmente nos acostumaremos à regalia e viveremos 24hs mergulhados em música, já que é preciso muito barulho pra provocar uma simulação de completude emocional, espiritual, ou outra coisa que seja.

O que gostei de saber foi que casos de música mental acontecem, sem auxílio de qualquer dispositivo, motivado por alguma estimulação na "zona musical" do cérebro. Isso quem me contou, foi um médico neurologista muito simpático e de barba engraçada, chamado Oliver Sacks. Como não foi possível manter um "plá" com ele pessoalmente, recorri ao seu livro O Homem Que Confundiu Sua Mulher Com Um Chapéu, publicado pela Companhia das Letras.

O livro contém diversos casos neurológicos, um mais curioso que o outro. Mas o doutor Sacks tem uma veia romancista fantástica, e poupa os leitores do fastio dos termos altamente médicos, sem desprezar as informações necessárias para a compreensão de cada situação dos pacientes relatados. O filme "Tempo De Despertar", com Robert De Niro foi baseado num livro de Sacks, de mesmo título.

No caso da música cerebral, o doutor Sacks relata o caso da senhora O.M. que acordou no meio da noite, no asilo onde vivia, ouvindo canções irlandesas. Pensou que fosse algum rádio ligado, mas estranhou que alguém houvesse ligado um rádio àquela altura sem que os outros internos acordassem, e que a "rádio" só tocasse as músicas que ela conhecia quando pequena e sem intervalos comerciais. Depois de examinada, ficou comprovado que se tratava de um distúrbio temporário que desencadeou a ativação da "memória musical" da senhora O.M.

Em alguns casos, a música cerebral é incômoda, mas Sacks conta que a senhora O.M. sentiu-se muito feliz por poder rever imagens e sons de sua infância na Irlanda e relembrar de sua mãe, que morreu quando O.M. tinha 5 anos de idade. Isso trouxe uma infinita paz para ela, pois nunca, durante toda a vida, tinha conseguido lembrar do rosto da mãe e de sua infância em sua terra natal.

Mais sobre Oliver Sacks: Oliversacks.com

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